
Alimentos entre Cônjuges/Companheiros
ALIMENTOS ENTRE EX-CÔNJUGES/COMPANHEIROS
Breve análise do Resp 1.829.295-SC
Cristiano Pretto
Advogado. Mestre em Direito (UFRGS).
O mais recente Informativo publicado no site do Superior Tribunal de Justiça
(Informativo n. 0669, de 08 de maio de 2020) registra o julgamento do REsp 1.829.295-SC, Rel. Min. Paulo de Tarso
Sanseverino, 3ª Turma do STJ, DJe 13/03/2020 e destaca: “a desoneração
dos alimentos fixados entre ex-cônjuges deve considerar outras circunstâncias,
além do binômio necessidade-possibilidade, tais como a capacidade potencial
para o trabalho e o tempo de pensionamento”.
A chamada põe luz à
consideração de outros aspectos, além do bastante conhecido binômio necessidade-possibilidade
na fixação/exoneração dos alimentos entre ex-cônjuges/companheiros. Mas será
este o ponto de maior relevância?
Vale comprovar,
inicialmente, a tendência dos julgamentos do Superior Tribunal de Justiça acerca
dos alimentos devidos entre ex-cônjuges/companheiros.
Por certo, alimentos
entre ex-cônjuges ou ex-companheiros (REsp 1.025.769/MG, Rel. Min. Nancy
Andrighi, 3ª Turma do STJ, DJe 01/09/2010), de uniões héteros ou homossexuais (REsp
1.302.467-SP, 4ª Turma do STJ, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, DJe 25/3/2015), são
devidos quando preenchidos os seguintes requisitos: (a) o vínculo conjugal ou de união estável; (b) a
necessidade e a incapacidade do alimentando de sustentar a si próprio; e (c) a
possibilidade do alimentante de fornecer alimentos. O raciocínio, para todos
os casos, é o mesmo: dever de solidariedade, com regramento expresso nos
artigos 1.566, III e 1.694, do Código Civil (ver, por exemplo: TEPEDINO,
Gustavo; TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado. Fundamentos do Direito Civil. Direito
de Família (v. 6). Rio de Janeiro: Forense, 2020, p. 359-362).
Sendo o caso de fixação
de alimentos, é possível afirmar com certa tranquilidade que eles serão devidos
excepcionalmente e ostentarão, “ordinariamente, caráter assistencial e transitório,
persistindo apenas pelo prazo necessário e suficiente ao soerguimento do
alimentado, com sua reinserção no mercado de trabalho ou, de outra forma, com
seu autossustento e autonomia financeira” (REsp 1.454.263, Relator
Min. Luis Felipe Salomão 4ª Turma do STJ, DJe 8/5/2015).
As exceções referem-se, por
exemplo, às hipóteses nas quais o alimentado não dispõe de reais e objetivas
condições de reinserção no mercado de trabalho, encontra-se em idade avançada
ou tenha graves problemas de saúde que impeça sua autonomia financeira. Trata-se,
unicamente, de garantir ao ex-cônjuge ou ex-companheiro, quando realmente
necessário, “condições e tempo razoáveis para superar o desemprego ou o
subemprego” (REsp 1.388.116/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma do STJ, DJe
de 30/5/2014).
Em conclusão, “o
pensionamento só deve ser perene em situações excepcionais, como de
incapacidade laboral permanente, saúde fragilizada ou impossibilidade prática
de inserção no mercado de trabalho (REsp 1.496.948/SP, Rel. Min. Moura Ribeiro,
Terceira Turma do STJ, DJe de 12/3/2015).
É o que está registrado,
também, no Item 4, da Jurisprudência em Teses, Edição n. 65, do Superior
Tribunal de Justiça (www.stj.jus.br) que diz: 4) Os
alimentos devidos entre ex-cônjuges devem ter caráter excepcional, transitório
e devem ser fixados por prazo determinado, exceto quando um dos cônjuges não
possua mais condições de reinserção no mercado do trabalho ou de readquirir sua
autonomia financeira.
Parece claro que analisar
“outras circunstâncias” é fundamental e há muito está nos critérios de
julgamento, especialmente no âmbito do Superior Tribunal de Justiça. Da leitura
do voto do Relator está bastante claro este histórico de julgamentos. Portanto,
a nota do Informativo, no ponto, não traz grande novidade.
Ao nosso sentir, mais
importante é iluminar o conteúdo central do julgamento referido no Informativo,
que foi o de reconhecer a ocorrência de cerceamento de defesa e cassar a
sentença de primeira instância, para viabilizar a instrução probatória,
considerando que os órgãos julgadores “firmaram suas convicções baseadas em meras
suposições”.
Concluiu, o Ministro Relator que “apesar da
consabida importância da prova documental, em se tratando de controvérsia
jurídica tão delicada e relevante para ex-consortes, e que é inegavelmente
permeada por questões eminentemente fáticas, a hipótese dos autos releva a
imprescindibilidade da produção de outras provas admitidas pelo ordenamento
jurídico, a fim de (a) oportunizar às partes à ampla defesa de seus argumentos,
em especial a real necessidade daquela que reclama a manutenção da prestação
alimentar, bem assim (b) permitir que os pronunciamentos judiciais alcancem
fundamentação capaz de justificar racionalmente a decisão adotada” (parte final
do voto, no julgamento do REsp 1.829.295-SC,
Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, 3ª Turma do STJ, DJe 13/03/2020).
Certamente, sob olhar
processual, afirmar o cerceamento de defesa é reconhecer o direito à prova, que
também é um controle ao livre convencimento. “O livre
convencimento não é um convencimento alheio a regras, nem pode ser reduzido a
um mandato de livre admissão de provas”. [...] “Se o legislador estabelece um
procedimento que pode ser violado ao arbítrio dos juízes, não faz uma lei, mas
limita-se a dar um conselho. E daí segue-se outra distinção fundamental, sem a
qual nenhuma segurança jurídica é possível: o juízo inerente ao livre
convencimento não se confunde com o juízo de admissibilidade das provas. São
planos diversos que devem ser separados com nitidez: a admissibilidade da prova
(não se parte do livre convencimento), a valoração (aqui sim no plano de livre
convencimento) e a fundamentação (discurso justificativo da decisão)” (KNIJNIK,
Danilo. A Prova nos Juízos Cível, Penal e
Tributário. Forense: Rio de Janeiro, 2007, p. 7-19). A fundamentação é, em
certo sentido, a racionalidade referida pelo Ministro Relator.
Mas o ponto que pretendemos
destacar aqui, é que determinar a produção de outras provas e o debate acerca da
real necessidade e de todas as demais circunstâncias que circundam o pagamento
de alimentos entre ex-cônjuges/companheiros é preocupar-se com a realidade
fática e concreta de cada relação alimentar. Ou seja, é manter a compreensão de
que os alimentos entre ex-cônjuges/companheiros são ordinariamente excepcionais
e transitórios, mas tal conformação deve aderir à realidade do caso concreto,
deve continuamente ser testada, em contato com a realidade (DATTILO, Giovanni. Tipicità e Realtà nel Diritto de
Contratti. Rivista di Diritto Civile,
v. XXX, n. 6, p. 732-810, nov./dez. 1984).
O julgamento, no nosso sentir, trata mesmo é
de aplicar uma das diretrizes do Código Civil, a diretriz da operabilidade, da
concretude (ver, aqui, REALE, Miguel. Visão
geral do Projeto de Código Civil. Revista
dos Tribunais, n. 752, p. 22-30,
1998). É dizer, baseado na compreensão jurídica de que alimentos entre ex-cônjuges/companheiros são ordinariamente
excepcionais e transitórios é preciso conhecer e julgar acerca da realidade do
caso concreto, da forma mais ampla possível. Em outras palavras, é preciso
testar o regramento da matéria no caso concreto e isso só é possível produzindo
provas e conhecendo a realidade.
Como nota final, força concluir que, trabalhar
nesta perspectiva, traz para o Direito de Família o debate dogmático sobre “alteração
de circunstâncias”, como “instituto jurídico-privado que interfere nas relações
entre particulares”, sobre “boa-fé objetiva” (MENEZES CORDEIRO, António. Da Boa Fé no Direito Civil. 3. reimp.
Coimbra: Almedina, 2007, p. 1006-1007) e, enfim, sobre a testagem do
ordenamento no caso concreto.